terça-feira, 26 de agosto de 2008

História do Boi Lambeu e seus alegres Brincantes


* Orávio de Campos

Situação: A corte do boi, em desfile, vai chegando ao local da apresentação. São brincantes, ritmistas, cantores, figuras de Pai João e Mãe Maria, mulinhas, sobreiros, estandartes e etc. Na frente vem a figura do Zé do Chico, o anunciador do espetáculo. Uma espécie de apresentador do circo.


ZÉ DO CHICO

Senhoras e senhores, a Companhia Gente de Teatro tem o prazer de apresentar... (Toque de caixas e fanfarras) A História do Boi Lambeu e seus maravilhosos brincantes. Tenho certeza absoluta que o espetáculo, simples como a alma do povo, vai agradar aos gostos mais requintados, por se tratar da história da saga do homem e do mais precioso de seus animais....

MARIA SEVERO

Nosso boi é muito arteiro
E tem história pra contar
Fique atenta minha gente
Que ele é um boi brasileiro
Que apesar do sofrimento
Das cantigas de lamento
É forte, firme e altaneiro

Nascido nas pastagens
Verdejantes da baixada
Pras bandas de São Martinho
Este boi é pura emoção
Neste espetáculo que seduz
Brilhando mais que a luz
Vai palpitar no coração.

Já faz tempo que a cidade
Acabou com os pintadinhos
E as batidas da saudade
Perderam-se nas omissões
Por isso nossos brincantes
Fazem-se os representantes
Das mais antigas tradições.

Este Brasil, minha gente
Vem cantar suas canções
De negros arando a terra
Em busca da produção
Depois de ter vindo da África
Nos navios dos mercantes
A serviço da escravidão.

CANTOR (Cantando)

Abram alas minha gente,
Que o Boi Lambeu já chegou
Traz no embornal sua história
Que o mundo inteiro cantou

Traz no embornal sua história
Que o Mundo inteiro cantou....
Traz no embornal sua história
Que o mundo inteiro cantou...

CANTOR

Este boi é malhado
Este boi é ligeiro
Este boi é valente
Este boi é brasileiro

TODOS (Sempre repetindo o refrão)

É boi...

ZÉ DO CHICO (Os cânticos continuam no fundo)

Duas linhas principais marcam a ligação do homem com o boi. A primeira é oriental, onde se observa sua adoração em rituais de cultural e de religiosidade; e outra é greco-romana, no culto dedicado ao Rei Príapo...

MARIA SEVERO

Há as histórias da deificação do boi entre os povos da antiguidade, em cujo culto, particularmente, se notam o Boi Apis dos Egípcios. Touro Mitríaco entre os persas. O Boi de Cadmo e o Touro de Maraton, isso sem falar na Vaca Atir, adorada como deusa suprema entre os ribeirinhos do Nilo, cultos que depois de espalharam por todo o oriente.

ZÉ DO CHICO

A mais estranha ligação do homem e o homem vêm da mitologia cretense do Rei Minos, o labirinto e o famoso Minotauro.

MARIA SEVERO

O terrível filho touro de Minos. Ligação incestuosa do Boi Branco com a rainha de Creta – um passado que se faz presente por seu significado.

CANTOR (Entra bailarino dançando com a caveira do boi)

Vem meu boi, meu amado,
Faça de mim sua paixão
Deite-se sobre meu corpo
E cante nos meus ouvidos
A mais enternecida canção.

TODOS

Mino, Mino, Minotauro
Boi-homem – Homem-boi
Faça em nós sua festança
Marque sua esperança
Na história que não se foi....

ZÉ DO CHICO

A história do boi chega à Península Ibérica e, mais tarde, sofre influência do cristianismo. No Século XIX aparece nas procissões de Corpus Christi. Teófilo Braga salienta que os religiosos desfilam algumas corporações e, após, um boi, a que chamam de Boi Bento, com as pontas dos chifres douradas e o corpo coberto com um manto de damasco guarnecido de ouro. (Forma-se a procissão. O Boi desfila imponente sob a tenda (ou sobreirão). Tocam as matracas. Ouvem-se os cânticos religiosos)...

CANTOR

Venha meu boi para a porfia
Vem nos trazer sua mansidão
Queremos paz em nossa vida
Queremos paz e muito amor...


REZADEIRA 1 (Ao mesmo tempo do cântico)

Entre mim e meus inimigos está Jesus com o seu raio de luz, de Deus eu vim, com Jesus eu estou...

CORO FEMININO

Proteja-me, Senhor...

REZADEIRA 2

Minha alma se engrandece em Deus que me criou. Deus em sua glória é meu guia, paz e vitória. Estou no mundo, na lida do dia-a-dia recebendo a graça da Virgem Maria.

CORO FEMININO

Proteja-me, Senhor...

REZADEIRA 3

No sono da noite serei guardado pelo anjo Divino por Deus Mandado. O pão e a paz da vida sempre eu terei e a Jesus adorarei...

CORO FEMININO

Proteja-me, Senhor...

REZADEIRA 4

Não serei preso, nem perseguido, nem meu corpo serei ferido. Debaixo da capa de São Jorge serei protegida com as armas da fé nunca serei vencida. Porque de vós, Jesus, depende tudo. A paz é o meu futuro.

CORO FEMININO

Proteja-me, Senhor...

REZADEIRA 5

Dai-me a luz para que eu possa compreender a verdade, o amor, a compaixão e a caridade. E com o holocausto da minha fé, ofereço esta humilde prece a Jesus, em resgate das minhas faltas na vida material.

TODOS

Amém...

OGÀ (Rufando os tambores)

VOZES MASCULINAS

Oiá Nossa Senhora
Minha mãezim do Rosário
Ouça esta prece, meus ais
Oiá meu São Benedito...
Canta um ponto bonito
Pra saudar os orixás

VOZES FEMININAS

Canta um ponto bonito
Pra saudar os orixás
Canta um ponto bonito
Pra saudar os orixás
Sarava no terreiro
A benção “seu” Boiadeiro
Pra esse gado goytacaz.

ZÉ DO CHICO

O boi veio para o Brasil no rastro dos colonizadores e por aqui a Vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes foi fundada, a partir da chegada dos 7 Capitães, nos campos limpos à margem da lagoa Feia, onde foram construídos dois currais para o gado lusitano. Desde então, misturaram-se os costumes dos portugueses e o culto africano responsável pela exposição da caveira do boi junto às porteiras, que era pra mode proteger a plantação e o gado pastando nos cercados.

MARIA SEVERO

Do lado africano o sacrifício do boi inclui o ritual do manhanhe, ou do Muata Calombo. O importante é que da miscigenação do boi Bento com o Manhanhe africano surge a mais importante boiada da história do Brasil.

ZÉ DO CHICO

O boi, companheiro, amigo, ajuda no trabalho do campo, puxa as cambonas pelos aceiros e sulca a terra à frente dos arados, é o mais útil de todos os animais. Serve para o alimento e para os momentos lúdicos e as farras proibidas dos mortais. Como brincadeira, ganha nomes diferentes em cada região deste imenso continente brasileiro.

ATOR 1

O bumba-meu-boi adquire nomes, ritmos, indumentárias e cânticos diferentes.

ATOR 2

No Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Alagoas o boi é chamado assim, no Amazonas ou Pará é chamado de Boi Bumbá ou Pavulagem...

ATOR 3

Em Pernambuco, onde existe a Mulinha do Acupe, é boi Calemba ou Bumbá. No Ceará é Boi de Reis, Boi Surubim e Boi Zumbi.

ATOR 4

Na Bahia é Boi Janeiro, Dromedário, Mulinha de Ouro e Boi Estrela do Mar...

ATOR 5

No Paraná e Santa Catarina é Boi de Mourão ou Boi de Mamão. Em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Cabo Frio é conhecido como Bumba ou Folguedo do Boi.

ATOR 6
No Espírito Santo é Boi de Reis. No Rio Grande do Sul é Bumbá, Boizinho ou Boi Mamão. Em São Paulo é Boi de Jacá ou Dança do Boi.

ATOR 7

Em Quissamã, a partir das tradições da Fazenda Machadinha, é o Boi Malhadinho e em Campos o Boi continua, agora e sempre, como o Pintadinho de tantas tradições que ainda desfilam nos seus alegres carnavais.

CANTOR (Canção dolente, talvez com violão e/ou sanfona)

Lá vem a boiada branca
Descendo a estrada de chão
Atravessa lagoas e rios
- Marca servil do sertão...

O aboio ecoa nas serras
E o som grave dos berrantes.
Faz dos peões retirantes
Sempre gritando seus ôas

O gado de repente pára
Dando tempo pro capim
E esta canção é único jeito
De sentir este boi
Berrando dentro de mim...

Ê, boi
Vamos cumprir o destino
Você parece o menino
De minha infância sem fim.

ZÉ DO CHICO

A família dos bovídeos ganha no solo brasileiro várias outras denominações interessantes. Boi Carreiro, Boi de Guia, Boi do Ano, Boi Canhão, Boi de Lote, Boi de Corte, Boi de Piranha, Boi de Coice, Boi de Sela, Boi de Quarta, Boi de Tronco, Boi em Pé... Além de ser apelido de homem chifrudo e vaso sanitário das cadeias coletivas....

PAI JOÃO

O importante é a eternidade do boi com o homem. Represento a figura do carreiro, do guia dos bois nas estradas ou nas campinas. Depois brinco com ele, representando esta paixão que, por ser tão nossa, não termina nunca...

ZÉ DO CHICO

Os Bois Garantido e Caprichoso, hoje, no bumbódromo de Parintins, representam a possibilidade do espetáculo colorido, infelizmente comprometido com a mídia e desenvolvido para o deleite dos turistas.

MÃE MARIA

Acho que sou a Catirina dos bois, aquela dos milagres do folclore maranhense e que perpassam por todas as terras nordestinas. Aliás o nordeste é, também, aqui, porque temos muitas coisas em comum. A cana de açúcar, as usinas fabricando mascavo e o mugido do gado cortando as pradarias, além de uma grande riqueza na cultura popular.

MARIA SEVERO

A dimensão do boi passa pelas touradas, vaquejadas e rodeios. Mas, no que diz respeito à brincadeira, este animal parece construir em nós a sua eternidade. Paciente, ordeiro, na canga ou no pasto, parece ser o que os homens na realidade são. Se parecem muito quando caminham, cada um com sua sina, para o suplicio final do matadouro.

CANTOR (A capela e repete com o acompanhamento e com o coro)

A meia noite eu vi gemer
Fora de hora eu vi chorar
O sabiá cantou nas matas
E o rouxinol respondeu meu palmeirais

CANTOR (idem)

Hoje é dia de festejo
Ô na roda do cantador
Tu senta em cima da gaiola,
Passarinho,
E canta seus versos de amor

CANTOR (idem)

Ó morena não chore
Pelo meu cantar
Eu não sereia
Pra cantar no mar
Sou passarinho
que andou voando
Que andou vagando
Por cima do mar

CANTOR (Idem)

Esta noite
Eu vi uma estrela
Estrela bonita
Que parece um esplendor
Ah! Ai eu vi, oh! na janela
Uma morena e ela me encantou

ZÉ DO CHICO

Os bois pintadinhos da planície goytacaz marcaram um tempo precioso e suas relações lúdicas, principalmente no carnaval, nos quais desfilam os cordões carnavalescos, cujos índios eram muito parecidos com os caboclinhos do maracatu...

MARIA SEVERO

Infelizmente, a visão caolha de jornalistas e radialistas desta cidade destronou cordões importantes como Triunfo das Cores, Filhos da Sereia, Estrela de Ouro, Temor do Norte, Benta Pereira, Selvagens do Brasil, Pena Dourada e tantos outros grupos bodificados pela imprensa da época.

ZÉ DO CHICO

Foram famosos os Bois: Formoso, da Pracinha do Sossego, Teimoso, do famoso Domingo Teimoso, um soldado da polícia; Capeta, que saía arrastando uma multidão nos dias pré-carnavalescos. Hoje a boiada, estratificada por categoria e envolvida por modelos de blocos e escolas de samba, desfila no cercado da avenida e muito sentem saudade dos tempos em que eram livres e representavam a aspiração natural da população pobre deste país.

CANTOR

O meu boi morreu
Quanta emoção
Manda comprar outro, maninha,
Lá do Travessão.....

O meu boi morreu
O que vai ser de ti
Manda comprar outro, maninha,
Lá em Ururaí....

ZÉ DO CHICO

O boi perdeu, realmente, sua característica original, transformando-se em Boi de Samba. Uma evolução natural das relações culturais do município – Na realidade o boi, oriundo da zona rural, como ícone forte, permaneceu como elemento lúdico. Com o êxodo rural, instalou-se na periferia do centro-urbano, onde absorveu as batidas das antigas batucadas, origem das nossas escolas de samba.

MARIA SEVERO

Não o que se lamentar. Tudo faz parte do imaginário do tempo, que tudo transforma. Os bois de samba são, também, folclóricos. E temos que louva-los pelo que representam em termos das brincadeiras que, pelo que se observa, vão ser eternizadas pelo significado construído pelas referências culturais.

CANTOR (Cântico Final)

Levanta, meu boi, levanta
Está na hora de partir...
Sua história não faz chorar
Mas quem quiser poder rir.

Levanta meu malhadinho
Vamos embora, agora,
Pros braços de quem lhe adora
Vamos levar muita saudade
De tudo que vimos aqui
Sobre sua vida e sua sina
Quem quiser te visitar

É só chegar no seu terreiro
No Parque Leopoldina.
Alegria, meu boi, alegria
Cumprimente este povo
Em sinal de despedida
A partir deste momento
Sem qualquer tipo de lamento
Todos vão engrandecer
A beleza de sua vida.


Fim.